sexta-feira, março 03, 2006

Entrevista de Élio Maia ao Jornal Público.


"O papel da Câmara não é o de investidor, mas antes o de dinamizador de investimentos, garante Élio Maia. Na entrevista ao PÚBLICO, o presidente da Câmara de Aveiro queixa-se das limitações financeiras da autarquia e lembra que ainda tem 44 meses para cumprir as promessas de ruptura feitas durante a campanha eleitoral.

Há um ar inesperado de descontracção nos serviços da Câmara de Aveiro. Um bar com cadeirões pretos e música ambiente serve de sala de espera do gabinete do homem que "roubou" a câmara ao PS nas eleições autárquicas.

Para marcar a diferença relativamente ao seu antecessor, Élio faz questão de receber quase toda a gente que lhe pede uma audiência.

Sem gravata, mas com um sorriso largo, fala com entusiasmo das suas novas funções. E só se atrapalha quando o assunto é o valor ainda não apurado da dívida da câmara.

PÚBLICO - Candidatou-se prometendo uma ruptura com a gestão anterior. Em que medida está a cumprir essa promessa?

ÉLIO MAIA - A primeira ruptura tem-se verificado no relacionamento com os cidadãos. Penso que isso é claro, apesar de terem passado apenas quatro dos 48 meses de mandato que temos pela frente. A câmara está mais aberta. As pessoas têm mais facilidade em contactar os responsáveis. Outro elemento novo é o facto de termos passado a ter duas reuniões públicas do executivo por mês, o que dá aos cidadãos o dobro das possibilidades de colocar as suas questões. Mas a maior ruptura irá concretizar-se em 2008, que é um gabinete integrado de atendimento, que colocará os serviços da câmara à disposição do cidadão, em vez de ser o cidadão a andar à procura dos serviços para ser atendido. E em Janeiro de 2008 vão funcionar em três ou quatro freguesias extensões do município com capacidade efectiva para resolver os problemas dos cidadãos. A proximidades com os cidadãos é uma das nossas bandeiras.

É por isso que vai deslocar as reuniões de câmara para as freguesias?

É nosso dever criar essa proximidade com os munícipes. As 14 reuniões de câmara que se vão realizar a partir de 6 de Março decorrerão todas nas freguesias, e temos mesmo a ideia de escolher alguns espaços temáticos, como estabelecimentos de ensino, por exemplo.

PÚBLICO - Fez da situação financeira da autarquia o cavalo-de- batalha da sua campanha. Porque é que não pediu uma auditoria externa às contas quando tomou posse?

ÉLIO MAIA - Porque tinha um compromisso de que, se ganhássemos as eleições, iríamos proceder à avaliação da situação financeira da câmara e depois faríamos chegar esses dados à assembleia municipal, para que esta tomasse a decisão mais conveniente. A auditoria é importante, porque nos permite partir a todos numa base de verdade.

PÚBLICO - A dívida da câmara tem sido usada como arma de arremesso eleitoral, mas também pode ser encarada como um álibi para a falta de projectos para o futuro...

ÉLIO MAIA - A dívida não é uma arma de arremesso eleitoral. É uma constatação de facto. Todos os dias somos confrontados com os dramas das pessoas que nos vêm pedir dinheiro. Nós já fizemos 150 acordos de pagamento, em que, no fundo, tentamos transferir para a banca aquilo que é a dívida às empresas. Mas o que mais nos preocupa ainda são aquelas pequenas situações, dos cinco mil euros, dos 10 mil
euros que são devidos a pequenas empresas, e em que se registam situações dramáticas se a câmara deixa de pagar. A dívida não é um álibi, é uma situação de facto.


PÚBLICO - A câmara queixa-se da difícil situação financeira e, no entanto, uma das primeiras medidas que tomou foi baixar as taxas municipais e diminuir o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Isso não é um contra-senso?

ÉLIO MAIA - Penso que não. Com essa medida respeitámos um compromisso eleitoral. E depois mostrámos uma opção firme por atrair empresas que geram emprego, geram riqueza municipal, estabilidade, receitas para o município.

PÚBLICO - Mas tenciona passar os próximos quatro anos a usar o argumento da dívida para não lançar obras?

ÉLIO MAIA - Claro que não. Vamos fazer coisas.

PÚBLICO - Então dê lá dois ou três exemplos...

ÉLIO MAIA - Ainda faltam 44 meses para o fim do mandato, isto é uma maratona, não é uma corrida de 50 metros. Temos de arranjar apoio do Estado e até de dinheiro privado ou outras soluções. Os projectos em que iremos investir terão como condição prévia o seu autofinanciamento na sua quase totalidade. Temos que ter imaginação para conseguir apoio de entidades oficiais e não só. Um bom exemplo
é a pista olímpica de remo do Rio Novo do Príncipe, que deverá ir em breve a reunião de câmara. É um desejo de 150 anos de uma comunidade, que esperamos que possa finalmente agora avançar. E podemos referir a ligação Aveiro-Águeda, ou a ligação ferroviária ao Porto de Aveiro.


PÚBLICO - Mas isso são tudo investimentos que não dependem da câmara. O próprio Polis não é de iniciativa municipal. O que resta, afinal?

ÉLIO MAIA - Resta o Parque Desportivo de Aveiro (PDA), por exemplo. Temos procurado envolver as entidades que directa e indirectamente têm um papel decisivo na sua concretização. Temos uma empresa [Visabeira] que é parceira no projecto, temos no terreno investidores que adquiriram uma posição forte, e no diálogo que
temos tido com eles temos procurado conciliar posições. Em vez de investir, como até aqui, a câmara passa a dinamizar investimentos na zona do município. É isso? É isso mesmo. Esse é o papel da câmara. O envolvimento da câmara como dinamizador nestes processos é também uma forma de ir buscar mais receitas. Porque um projecto como o do
Polis para a zona da Lota, se vier a concretizar-se, vai gerar uma fortuna em taxas para a câmara. Há projectos que não dão ganho imediato para a câmara, mas o seu sucesso vai gerar muitas receitas.


PÚBLICO - Como responde àqueles que o acusam de não exercer na plenitude os seus poderes? Que o acusam de delegar por ter medo de decidir?

ÉLIO MAIA - Acho que isso é um elogio. Já o disse durante a campanha: "Não esperem que eu tenha a solução para tudo". Eu acredito pouco num regime presidencialista. Acredito num regime participado. A câmara é constituída por nove pessoas eleitas. Há vereadores responsáveis por pelouros. Por uma questão de respeito
institucional, político e até pessoal, eu não me sobreponho aos vereadores. Eu não entendo um presidente que consegue responder a tudo, porque é impossível a um ser humano normal, mesmo que tenha muitas capacidades, estar a par de tudo.


PÚBLICO - Nunca precisou de dar um murro na mesa para impor a ordem no executivo?

ÉLIO MAIA - Nunca e espero que nunca venha a acontecer. Não é o meu estilo.

PÚBLICO - Porque é que separou fisicamente os vereadores do PSD e do CDS-PP? Os primeiros estão aqui consigo, no Centro de Cultura e Congressos, e os segundos ficaram nos paços do concelho...

ÉLIO MAIA - É preciso esclarecer bem isso, porque têm sido ditas coisas erradas. É preciso destacar o trabalho exemplar, de dedicação, colaboração e até de amizade que há entre os quatro vereadores do executivo. Eu não separei ninguém. É uma mera questão de instalações da câmara. Havia aqui quatro gabinetes vagos e dois
nos paços do concelho. Eu queria ficar aqui, para estar junto aos serviços, e manifestei o desejo de ter ao meu lado o vice-presidente da câmara [Carlos Santos, PSD]. Entendeu-se depois que o principal responsável financeiro da câmara [Pedro Ferreira, PSD] devia também ele ficar perto dos serviços.


PÚBLICO - Sendo independente, entende-se melhor com os vereadores do
CDS ou do PSD?

ÉLIO MAIA - São espectaculares, todos espectaculares e não causam
problemas. Quando o pai tem que levantar a voz, dar um murro na mesa
e perguntar quem manda é porque deixou de mandar. Está arrumado.


PÚBLICO - Durante a campanha chegou a prometer acabar com as
empresas municipais. Depois recuou, e passou a falar apenas em
reorganizá-las. Afinal, acabou por se limitar a mudar os titulares
das empresas, duplicando até o número de administradores. O que
correu mal?

ÉLIO MAIA - Há um compromisso de repensar as empresas municipais,
mas temos ainda 44 meses de mandato pela frente para o cumprir.
Entrámos nesta câmara a 24 de Outubro e, como se sabe, as direcções
das empresas municipais caem todas com a tomada de posse do novo
presidente da câmara. O fim do mês estava a chegar e havia
vencimentos para pagar, mas os cheques já não podiam ser passados
pelas mesmas pessoas. Não era em cinco dias que iríamos repensar e
reformular tudo.


PÚBLICO - Mas ninguém esperava, tendo em conta o que foi dito
durante a campanha, que o número de administradores duplicasse.
Ainda por cima os cargos foram distribuídos de forma equilibrada
entre os parceiros da coligação...

ÉLIO MAIA - Antes de mais fico contente que reconheçam que sou uma
pessoa equilibrada (risos). Na prática, o número de pessoas
duplicou, mas os encargos diminuíram 50 mil euros por ano em termos
finais, contas feitas pelo vereador Jorge Greno.


PÚBLICO - A que ficou a dever-se essa duplicação de pessoas? À
necessidade de contentar a clientela dos dois partidos, como diz a
oposição?

ÉLIO MAIA - Nenhum partido me colocou qualquer questão ou fez
qualquer pedido. As pessoas foram escolhidas por mim e receberam o
consenso de todos. Reunimo-nos, acertámos posições e chegámos a um
entendimento.


PÚBLICO - E foi o senhor também que escolheu Gilberto Ferreira,
irmão do vereador Pedro Ferreira, para administrador de uma empresa
municipal?

ÉLIO MAIA - Mas qual é o problema? É uma pessoa a quem eu reconheço
qualidades. Podia ser irmão, primo, cunhado do vereador. Se é
verdade que não deve ser favorecido por ser irmão do vereador,
também é verdade que não deve ser prejudicado por essa qualidade. O
que eu sei é que nunca coloquei nenhum familiar meu em cargo nenhum.
Certamente que não iríamos escolher as pessoas que a oposição
queria. O povo escolheu-nos a nós e nós escolhemos os mais
competentes. Foi esse o único critério que eu segui."


in Público